Nosso navio, depois de uma travessia oceânica procedente da Europa, chegou ao México, no porto de Vera Cruz. Como de praxe, fomos logo ao portaló (porta de entrada) receber os ilustres passageiros que deveriam embarcar naquele porto. Na lista, constava um grupo de estudantes, dois casais de engenheiros oceanográficos, dois meteorologistas, três agentes marítimos da América Central e a numerosa família do Vice-Cônsul brasileiro, cujo neto contava nove anos de idade. Logo na primeira impressão, mostrou-se um menino muito esperto e curioso.
Assim que o garoto viu o Comandante, perguntou:
– Comandante, quando é que o navio chega ao Rio de Janeiro?
A mãe, Dona Célia, repreendeu o menino:
– Gustavo, você ainda nem embarcou e já está querendo saber da chegada?
Na ocasião, o Capitão sorriu, apresentou as boas-vindas a todos e explicou ao menino que a chegada ao Rio estava estimada para o dia 29 de fevereiro, contudo ainda sem confirmação.
Durante a noite, no primeiro jantar a bordo, o garoto volta a perguntar:
– Comandante, o senhor já sabe quando o navio chega ao Rio?
O Capitão respondeu:
– Se tudo correr bem, chegaremos no próximo dia 29 de fevereiro, pois estamos em um ano bissexto.
O garoto, tomado por uma curiosidade exacerbada e desabrochando para a vida, perguntava tudo a todos. Gostava de viver no meio dos adultos. Constantemente, interrompia as conversas para fazer perguntas repetitivas. Sabendo que o navio tinha como destino a cidade do Rio de Janeiro, não cansava de arguir o Comandante.
No dia seguinte, o garoto cruza com o Capitão e pergunta:
– Capitão, quando o navio vai entrar na Baía de Guanabara?
O Capitão respondeu:
– Quando chegar ao Rio de Janeiro.
Em seguida, o garoto replicou:
– Então, quando o navio chega ao Rio de Janeiro?
E o Capitão retrucou:
– Quando entrar na Baía de Guanabara.
Parece que o menino, ainda sem conhecer a cidade maravilhosa, não entendeu que a Baía de Guanabara estava ligada ao Rio de Janeiro e, naquele dia, não perguntou mais nada. O navio, contudo, atrasou sua saída em algumas horas, o que provocou uma mudança na programação. Ao saber do pequeno atraso, o garoto, levado pela mãe, procurou o Capitão e, se confundindo um pouco, perguntou:
– Comandante, agora que mudou a saída, quando o navio vai chegar à baía do Rio de Janeiro?
O Comandante respondeu:
– Agora, devemos chegar no dia 1º de março, devido ao atraso.
Em seguida, o garoto se vira para mãe e, ainda confuso, comenta:
– Viu, mãe? Vamos chegar na Guanabara do Rio dia 1º de março.
Finalmente, o navio deixou o porto de Vera Cruz e começou a viagem de volta.
Logo no primeiro dia, no salão de estar do navio, o menino aborda o Capitão e pergunta:
– Comandante, quando o navio vai entrar no rio da Guanabara?
O Capitão, pacientemente, explanou:
– O navio vai chegar à Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, no dia 1º de março.
Gustavo ainda não havia assimilado que chegar à Baía de Guanabara era o mesmo que chegar ao Rio de Janeiro. Em seguida, o Capitão perguntou-lhe se ele não tinha outra pergunta para fazer. O menino respondeu com toda convicção que ele gostaria de saber mesmo quando o navio chegaria à baía do Rio ou quando chegaria no rio da Guanabara.
O menino estava misturando as coisas. O Comandante, com muita calma, mostrou-lhe a carta náutica que continha a Baía de Guanabara e a cidade do Rio de Janeiro. Parece que, finalmente, o garoto entendeu que chegar à Baía de Guanabara era o mesmo que chegar ao Rio de Janeiro. Em seguida, pergunta:
– Comandante, então qual o dia em que o navio vai ancorar no porto da Guanabara?
– Pela minha estima, o navio deve chegar e atracar no dia 1º de março, no porto do Rio de Janeiro.
O menino, a partir daí, passou a fazer confusão entre Baía de Guanabara, Rio de Janeiro e porto do Rio de Janeiro. De tanto perguntar, ele ganhou o apelido carinhoso de Menino do Rio.
No dia seguinte, o Comandante, ao encontrar o menino no corredor do tombadilho, falou:
– Gustavo, o navio chega à Baía de Guanabara, na cidade do Rio de Janeiro, e atraca no porto do Rio de Janeiro no dia 1º de março.
O menino, procurando transparecer um ar de adulto, respondeu:
– Sim, Capitão, no momento estou bem informado!
Nessa ocasião, a mãe do Gustavo interferiu:
– Gustavo, você não tem outra pergunta para fazer ao Comandante?
– Tenho sim, mãe. Vou pensar.
No jantar, ocorre o encontro com os passageiros. Dona Célia e o garoto Gustavo sentam próximos ao Comandante, ocasião em que a mãe pergunta:
– Filho, você tem outra pergunta para fazer ao Comandante?
– Tenho sim, mãe.
– Então pergunte!
– Comandante, a que horas o navio vai chegar ao Rio de Janeiro?
Todos acharam graça, mas o Comandante percebeu que o garoto não gostou da manifestação dos adultos. Então, respondeu que a sua pergunta estava muito bem formulada e que o navio, dependendo da velocidade, poderia chegar ao Rio pela manhã ou no início da tarde.
Naquele mesmo dia, o Comandante mostrou novamente ao Gustavo a carta náutica, destacando a Baía de Guanabara, a cidade do Rio de Janeiro, o porto do Rio e o armazém em que o navio deveria atracar. Gustavo ficou satisfeito com a completa explicação do Comandante, mas, no decorrer da viagem, aprendeu que os navegadores usam muito as coordenadas geográficas de latitude e longitude para se posicionarem. Assim, em outra ocasião, e na primeira oportunidade, perguntou ao Comandante:
– Comandante, quando o navio vai chegar nas coordenadas do Rio de Janeiro?
O Capitão respondeu:
– Justamente no momento em que chegar ao Rio de Janeiro.
Novamente o menino pergunta:
– Então, a que horas o navio vai chegar nas coordenadas do Rio de Janeiro?
– Provavelmente pela manhã do dia 1º de março, ou à tarde, dependendo de nossa velocidade.
Assim, foi o dia a dia da longa viagem. Após a passagem do parcel de Abrolhos, na costa baiana,a velocidade aumentou muito com corrente a favor e o navio confirmou sua chegada para a manhã do dia 1º de março. Na noite anterior à chegada, adivinhe quem visitou a ponte de comando com carinha de sono, acompanhado da mãe? O menino Gustavo, que voltou a perguntar:
– Comandante, finalmente, quando o navio vai chegar?
O Comandante responde com total precisão:
– O navio vai chegar ao Rio de Janeiro amanhã, às 7h da manhã e devemos atracar no armazém logo na chegada.
Com essa resposta, o menino voltou para sua cabine satisfeito. Foi dormir e também deixou a mãe dormir.
Por fim, amanheceu o 1º de março e o dia começou contagiado pela alegria de um barco voltando. O navio estava todo embandeirado, chegando ao Rio de Janeiro no dia do aniversário da cidade, com a felicidade estampada no rosto dos marinheiros.
O Capitão chamou o menino Gustavo ao passadiço para que ele acompanhasse a chegada do navio. O Comandante mostrou ao Gustavo alguns pontos notáveis da entrada do Rio de Janeiro. A Ilha de Cotunduba, a Ilha Rasa com seu lindo farol, a Ilha do Pai e da Mãe, o Pão de Açúcar, o Corcovado, o morro Cara de Cão, o litoral, as praias cariocas, o bairro da Urca, a Fortaleza de Santa Cruz, a Ilha de Boa Viagem, a pequena Ilha da Laje, o aeroporto, a Escola Naval, o relógio da Mesbla, a Ilha Fiscal, a cúpula da Candelária, enfim, pontos realmente notáveis. Contou em breves palavras a história da ocupação francesa por Villegagnon e a consequente fundação da cidade de São Sebastião. Foi, seguramente, uma breve aula de história, combinada com um passeio turístico.
O interessante é que o menino, que era muito agitado e perguntava bastante, ficou estático, imóvel. Não disse uma palavra sequer. Assistiu a tudo e assim permaneceu até a atracação do navio. Após a chegada e todo o desembaraço burocrático, quase todos os passageiros se agitavam para descer e aproveitar um passeio na cidade. O Capitão, ao encontrar Gustavo, perguntou:
– Como é Gustavo, gostou da viagem?
E o menino prontamente respondeu com outra pergunta:
– Comandante, quando é que o navio sai do Rio de Janeiro?