Historiador explica como a Força Naval atuou para o fim do domínio português
Às margens do Rio Ipiranga, em 7 de setembro de 1822, D. Pedro I ecoou o grito da Independência,
tornando o Brasil livre de Portugal. Nesse período de relações conflituosas, a Força Naval
desempenhou um importante papel para impedir a chegada das tropas fiéis à Coroa portuguesa ao
Brasil, e para conter as províncias brasileiras aliadas a Portugal, assegurando, pelo mar, a soberania
da jovem Nação.
Na semana em que se comemoram os 201 anos da Independência, a Agência Marinha de Notícias
relembra o fato e conversa com o historiador, Vice coordenador e Professor do Programa de Pós-graduação em Estudos Marítimos da Escola de Guerra Naval (EGN), Capitão de Mar e Guerra
Francisco Eduardo Alves de Almeida. O militar é graduado, mestre e doutor em História
Comparada, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, com pós-doutorado pela Universidade de
Lisboa. Possui os prêmios “Jabuti”, da Câmara Brasileira do Livro, “Jaceguai” e “Tamandaré”, pelo
Clube Naval, “Marquês do Paraná”, pelo Instituto Histórico Geográfico Brasileiro e Universidade
Cândido Mendes, e “Dignidade Acadêmica Magna Cum Laudae” em História, pela UFRJ.
Com o aprofundamento da crise entre Brasil e Portugal, o único caminho para alcançar a
Independência em todo o território brasileiro era o mar. Como a Marinha Imperial contribuiu
para impedir a chegada de reforços portugueses?
A ação da Marinha Imperial foi fundamental. Primeiramente, por não existirem estradas ligando os
diferentes pontos do território do Brasil, o mar era o principal meio de transporte entre as
províncias. Com isso, as tropas de Dom Pedro só podiam ser transportadas por mar e a Marinha
passou a ser o principal instrumento para isso. Em segundo lugar, houve assistência às ações do
Exército Brasileiro, por meio de apoio de fogo naval contra as tropas portuguesas no terreno. Em
terceiro lugar, a Marinha dispunha da capacidade de dissuasão, com a ameaça do uso da força
provinda do mar, como aconteceu com a resistência que havia no Maranhão. Em quarto lugar,
havia a proteção das linhas de comunicação marítimas contra navios lusitanos que tentassem
interferir nesse tráfego e, por fim, a função clássica do poder naval, que é o controle ou o domínio
do mar. O combate de 4 de maio de 1823 (HIPERLINK:
https://www.marinha.mil.br/agenciadenoticias/batalha-naval-de-04-maio-e-mudancas-no-destinodo-brasil), em Salvador, embora inconclusivo, demonstrou a vontade dos brasileiros em se libertar
do jugo lusitano e indicou que o preço a ser pago por reforços vindos de Lisboa seria muito alto.
Independência?
de Barbacena foram os principais expoentes na criação da Armada Imperial. Nos campos
operacional e tático, o maior deles foi Lorde Thomas Cochrane, o real fundador da Marinha
Imperial quem organizou, treinou, incentivou e lutou lado a lado com aderentes à nossa
Independência. Neste ponto, gostaria de me deter um pouco mais. Estudiosos da História do Brasil
apontam que Cochrane era, fundamentalmente, um mercenário e não tinha patriotismo. Replico
que o conceito de mercenário no século XIX não é o mesmo de hoje. O mercenário no século XIX
era aquele que lutava por um ideal e não apenas por dinheiro. Cochrane foi contratado, arriscou
sua vida e criou uma Marinha como o espelho do que viveu no Reino Unido, uma marinha moldada
pelo herói Lorde Nelson, morto em combate em Trafalgar. Cumpriu a sua missão com valentia e
incutiu nos membros daquela Força Naval nascente o espírito da ofensiva, da iniciativa e do
destemor em combate que iria se constituir na base do Poder Naval brasileiro. Ele merece ser
admitido como herói da Marinha, ao lado de nomes como John Pascoe Grenfell, James Norton e o
sempre lembrado, mas ao mesmo tempo esquecido, John Taylor. Eles foram os fundadores de
nossa Marinha.
brasileira?
diferentes rincões do Brasil. Vale lembrar que, na época, inexistiam estradas e todo deslocamento
de pessoas e bens materiais eram realizados por via marítima. Sem o controle das linhas de
comunicação, a consolidação da Independência e a manutenção da unidade territorial não seriam
possíveis. Províncias distantes como Cisplatina, Bahia, Pernambuco, Maranhão e Pará foram regiões
em que houve resistência contra a separação de Portugal. Sem uma Marinha de combate, a
Independência não seria realizada e, possivelmente, teríamos dois, três ou quatro países diferentes
do que é hoje o Brasil. Alguns anos depois, no Período Regencial, mais uma vez, a Marinha Imperial
seria chamada para apaziguar os ânimos exaltados em províncias rebeladas contra o poder central.
a procura pela Batalha Decisiva quando Cochrane forçou o combate contra a esquadra portuguesa,
em 4 de maio de 1823. O conflito provocou, posteriormente, a saída das tropas portuguesas da
Bahia para Lisboa, em julho daquele ano. Em segundo lugar, a Guerra de Corso contra os navios
portugueses que ainda navegavam nas costas brasileiras durante o período. Em terceiro lugar, a
Esquadra em Potência que é a ameaça de utilização do poder naval em determinada circunstância
contra uma força substancialmente superior. Esse foi o caso contra uma força lusitana que estava
sendo formada em Lisboa para contestar a nossa Independência. A Esquadra em Potência deve se
relacionar intimamente com a dissuasão e a mobilidade para ter efetividade, e foi isso o que
aconteceu. Por fim, o Bloqueio, que alguns teóricos não incluem como uma estratégia, mas que,
segundo percebo, merece menção. Na Independência, Cochrane e seus subordinados utilizaram o
bloqueio intensivamente em Salvador, em Recife, na Cisplatina, no Maranhão e em Belém.
identidade nacional pós independência?
Nação brasileira, por parte da população. Em 1822, ainda não existia o sentimento de ser brasileiro.
Prevalecia a percepção de pertencer à província e ao Reino Unido de Portugal e Algarves. O
sentimento nacional provinha, essencialmente, da elite brasileira que percebia que deveria ser
criado, na população daquele território, o sentimento de pertencer a uma nova nação,
desvinculada de Portugal. Não à toa, criou-se, em 1838, o Instituto Histórico Geográfico Brasileiro,
com finalidade de escrever a história do Brasil e fundamentar, na população, o espírito de ser
nacional brasileiro. As Forças Armadas foram, desde a gênese do Estado brasileiro, instituições
permanentes ligadas ao poder governamental constituído, o Império, um dos elementos da Nação.
Foram os instrumentos de reafirmação do Brasil independente de Portugal, ao se contraporem às
forças lusitanas que lutavam para manter o país unido a Lisboa. As lutas da independência, da
Cisplatina, os conflitos regenciais, as questões no Prata e, por fim, a Guerra da Tríplice Aliança
reafirmaram essas Forças Armadas como as guardiães do Estado Nacional, atendendo à diplomacia
imperial. Assim, o papel da Marinha, em especial, foi fundamental para termos um Estado
independente e soberano.
Por Primeiro Tenente (T) Taise Oliveira
Agência Marinha de Notícias Rio de Janeiro, RJ