Na equipagem do navio, tínhamos tripulantes de vários estados do Brasil, tais como: Amazonas, Pará, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, paranaenses, capixabas, cariocas e somente um pernambucano, que se apresentava como o único homem sério do navio.
O pernambucano machão se chamava Antônio e era conhecido por Cabeção. Já havia lutado boxe na categoria de peso-pesado e tinha o soco proibido pela Federação.
Assim, ninguém folgava com ele, não somente pelo fato de ter soco proibido, mas também pelo seu porte físico e atlético.
Os marinheiros, quando se metiam em confusões nos bordéis, valiam-se da presença do Cabeção para intimidar qualquer grupo que se opusesse a eles; ou seja, sair com cabeção era motivo de segurança e de liberdade para usar e abusar.
Não era raro marinheiros se envolverem em brigas, intrigas e discussões, e depois jogarem o caso para cima do Cabeção, que, pelo seu tamanho, assustava e intimidava qualquer cidadão comum.
Um belo dia, o navio atracou em um porto do Pacífico. As autoridades sanitárias que visitaram o navio lacraram as câmaras frigoríficas de carne, respeitando as determinações internas de evitar que a carne brasileira fosse consumida, até que fosse comprovada a ausência de contaminação (possível surto da vaca louca e/ou febre aftosa). Assim, durante a estadia, os tripulantes e passageiros não podiam consumir carne bovina e aqueles, mormente carnívoros, ficaram ensandecidos pelo fato de não poderem consumir pratos de carne vermelha.
Esse impedimento por parte das autoridades parecia mais uma arbitrariedade e não fazia muito sentido, pois o gado brasileiro é essencialmente herbívoro e jamais poderia ser portador do mal da vaca louca. Todos sabiam disso, e aquela medida era mais um capricho exagerado das autoridades sanitárias do que propriamente uma medida preventiva.
Na mesma noite, quatro marinheiros criadores de caso convenceram Cabeção a acompanhá-los a um bordel local que ficava localizado próximo ao porto. No bordel, felizmente, não aconteceu nenhum incidente, todavia, quando deixaram a casa, já no início da manhã, os quatro marinheiros, meio embriagados, passaram por um açougue e acharam-se no direito de levar um coxão de carne para o navio, já que estavam tolhidos de comer carne brasileira pelas autoridades daquele país.
Cabeção pediu e insistiu que não fizessem isso, pois aquele ato seria uma transgressão; ou seja, um roubo. Contudo, os marinheiros entraram no açougue e a despeito da indignação dos proprietários, pegaram um coxão de carne e alegaram ao dono do estabelecimento que foram impedidos de comer a carne brasileira, o que lhes dava o direito de comer a carne liberada.
A confusão já estava criada. Alguns transeuntes se aglomeravam na porta do açougue e na maior cara de pau os marinheiros retiraram o coxão do gancho, colocaram nos ombros e saíram do açougue em direção ao navio.
Quatro bêbados, que mal se aguentavam em pé, não se entenderam de como transportar o produto do roubo e, nesse meio tempo, chegou a polícia que, ao contrário do que se esperava, respeitou os bêbados e admoestou o Cabeção, alegando que ele, estando sóbrio, deveria impedi-los de cometer esse ato.
As pessoas que assistiam à cena também culparam Cabeção, que recebeu muito xingamento e uma pequena chuva de terra de chão e de copinhos plásticos. Os quatro bêbados foram conduzidos de carro até o navio pela polícia local. O pobre Cabeção, mais inocente de tudo, teve que andar até o navio, sempre hostilizado pelas pessoas.
Cabeção era inocente nessa história e acabou como vítima. Os marinheiros, depois que curaram o porre, pediram desculpas a ele. No entanto, o imediato permitiu que Cabeção visitasse a cabine dos quatro marinheiros, cabine por cabine, um por um; ocasião em que lhes foi aplicado uma leve surra de tapas e safanões…. Posteriormente, os quatro marinheiros apresentaram-se ao Comandante com a cara inchada, amarrotada e com indiscretos hematomas. Alegaram que formam agredidos a bordo, que Cabeção tem soco proibido e não podia fazer isso com eles. No entanto, o Capitão contestou:
– Cabeção tem soco proibido, mas a lei nada diz sobre tapas e safanões. Vocês não têm do que se queixar. Fiquem com a surra.