O Comandante Fabrício concluiu sua viagem de afretamento entre portos europeus e portos do Mediterrâneo. Após sete longos meses, seu navio aportava no Rio de Janeiro. O homem estava feliz da vida. Os afretamentos foram um sucesso, recebeu boas bonificações, conseguiu juntar uma grande bolada em dólares. Naquele momento, ele se preparava para desembarcar e gozar de um bom e merecido descanso.
Após a atracação e a passagem de comando, suas bagagens foram desembarcadas para a condução que o aguardava no cais. Sua pequena fortuna, ele mesmo arrumou em uma pequena valise fechada com segredo, que ele próprio fez questão de carregar. No momento em que o Capitão Fabrício chega ao porta-ló para descer do navio, encontra sua esposa, Dona Margarida. Ambos se abraçam calorosamente, como se estivessem compensando os longos dias distantes.
Não era desconhecido o fato de que o Comandante Fabrício, com sangue quente, chamava sua senhora de mala sem alça quando discutiam. Ou seja, referia-se a ela pejorativamente no calor do debate, contudo aquele momento era de paz entre o casal e no ar pairava até mesmo um clima romântico.
Evidente que, durante o caloroso abraço, o Capitão colocou sua pequena mala de dinheiro no piso do convés e logo após os cumprimentos, Dona Margarida começou a descer a escada. No mesmo instante, sem que o Capitão percebesse, um marinheiro, na intenção de ajudá-lo no desembarque, pegou a valiosa valise e também começou a descer a escada.
Para quem não sabe, uma rede de segurança sempre é colocada sob a escada para evitar a queda de pessoas no mar, contudo pode não evitar queda de objetos menores, mormente uma pequena valise.
Assim, aquele momento ficou tenso para Fabrício, que assistia sua esposa descendo a escada juntamente com o marinheiro que portava a mala cheia de grana. Ele não queria chamar muito a atenção, falar e fazer qualquer alerta, porquanto algumas pessoas estavam próximas, assistindo ao desembarque. Todavia, aquela escada era traiçoeira e tinha um degrau em falso, ou seja, um degrau, que não estava devidamente fixado. No momento em que Dona Margarida e o marinheiro de posse da valise, pisam no tal degrau, desequilibram-se e cambaleiam sobremaneira. Nessa ocasião, o pobre coração do Comandante Fabrício dispara e ele grita para o marinheiro com desespero:
– Marujo, segura essa mala, segura essa mala, por favor.
Por sorte, ambos se apoiaram no corrimão, balançaram, balançaram, mas não caíram.
Finalmente, chegaram ao cais são e salvos, incluindo a maleta. Ao pisar no chão, Dona Margarida, muito aborrecida, começa a tomar satisfação com o marido e diz:
– Até nos momentos perigosos você me chama de mala!
Fabrício responde:Não foi bem isso que eu quis dizer.
– Não foi para você .
– Como não foi bem isso? Fala, Fabrício!
Na verdade, Fabrício ficou numa sinuca de bico e sem resposta, pois se quando gritou “segura essa mala” não se referia à sua senhora e sim à valise, indicava claramente um descaso e um desinteresse total pela segurança de sua esposa.
Assim, Fabrício ficou mudo e tratou de entrar na condução que o levaria à sua residência. Dona Margarida, ainda confusa, não sabia o que tinha dentro da mala, pois o Comandante guardava segredo, mas ela gostava de tudo em pratos limpos. Por isso, ao entrar na condução falou:
– Fabrício, o que tem nessa mala que é mais importante do que eu?
Ele não sabia o que responder e disse:Não tem nada de especial.
– Então, seu grito foi para mim mesma, na frente de todo mundo. Por acaso sou mala sem alça para você?
Fabrício ficou sem saída. Não sabia dizer a que mala se referia. Entretanto, ao chegar em casa, tudo se acomodou e ficou resolvido.
Posteriormente, o Comandante Fabrício nos telefonou, informando que aquele episódio da mala estava encerrado. Brincando, comentou:
– Tudo safo, meus amigos. As malas chegaram em paz e estão se entendendo muito bem, pois enquanto uma abriu o segredo, a outra abriu um sorriso.