Por Arthur Ayres Neto – Professor da UFF e Diretor Técnico-Científico da SBHidro
A determinação da profundidade de áreas navegáveis tem sido uma preocupação para a humanidade desde os seus primórdios. Assim que o homem começou a usar embarcações para transportar pessoas e mercadorias, ficou evidente para ele o risco de acidentes devido falta de conhecimento da morfologia do fundo. Ao longo do tempo, essa atividade, tradicionalmente conhecida como Hidrografia, vem se desenvolvendo constantemente, migrando dos métodos baseados em linhas de prumo até os modernos sensores acústicos interferométricos.
Atualmente a Organização Hidrográfica Internacional (OHI) entende a Hidrografia como uma coisa mais ampla. Ela é o “ramo das ciências aplicadas, que trata da medição e descrição das características dos mares e áreas costeiras, tendo como objetivo principal a navegação e todas as outras finalidades e atividades marítimas, incluindo, entre outras, atividades costeiras e oceânicas, de investigação, proteção do ambiente e serviços de previsão”.
No Brasil essa atividade sempre foi executada pelo serviço de hidrografia da Marinha, com foco principalmente na confecção de cartas náuticas visando a segurança da navegação. No entanto, a partir dos anos 1970 algumas universidades do Brasil começaram a atuar no ramo da Geologia Marinha (ou Oceanografia Geológica), desenvolvendo projetos de pesquisa desde a área costeira até a planície oceânica, realizando pesquisas sobre a morfologia dos oceanos, seus processos sedimentares e sua dinâmica oceanográfica. O objetivo destes projetos, no entanto, esteve sempre focado em aspectos mais científicos do que práticos.
Atualmente existem 12 cursos de Oceanografia e 7 cursos de Geologia / Geofísica que, de alguma forma, desenvolvem estudos que podem, de acordo com a nova definição adotada pela OHI, ser considerados estudos em Hidrografia. Além disso, alguns cursos de Engenharia Cartográfica também desenvolvem pesquisas na área de geodésia marinha, ferramenta essencial na determinação da precisão final de um levantamento hidrográfico.
Um levantamento realizado pela Sociedade Brasileira de Hidrografia (SBHidro) e apresentado no 1° Seminário Brasileiro de Hidrografia Portuária ocorrido em Novembro de 2019, organizado em parceria com o Conselho Nacional da Praticagem (CONAPRA), mostrou estes grupos desenvolvem pesquisas em vários temas correlatos à Hidrografia: mobilidade de sedimentos em áreas portuárias, impacto ambiental de atividades de dragagem, avaliação de tecnologias para levantamentos batimétricos, vulnerabilidade de sistemas costeiros, caracterização geológica do fundo marinho através de ferramentas acústicas, precisão geodésica de levantamentos hidrográficos, bioinvasão por água de lastro, correntes marinhas, ondas e maré, cartografia náutica, entre outros. Mais especificamente a Universidade Federal Fluminense (UFF) inseriu recentemente no Programa de Pós-Graduação em Dinâmica dos Oceanos e da Terra (PPGDOT) do Departamento de Geologia e Geofísica, uma área de concentração em Hidrografia. Ali são desenvolvidas pesquisas nas áreas de geoacústica submarina e oceanografia física, com forte participação de oficiais hidrógrafos da Marinha do Brasil e de outros países da América do Sul no seu corpo discente.
Fica claro então que há muito tempo se faz pesquisa em Hidrografia no Brasil. É apenas uma questão de abordagem do problema. A Geologia e Geofísica Marinha (ou Oceanografia Geológica, um nome diferente para a mesma ciência) e a Hidrografia tem focos de interesse absolutamente semelhantes. A pesquisa de uma é a aplicação da outra.
A visão individualizada das comentadas disciplinas está com seus dias contados. Isso pode ser observado pelo reconhecimento por parte do Programa de Geologia e Geofísica Marinha (PGGM), um grupo com 50 anos que congrega instituições de pesquisa do Brasil inteiro com interesse nesta área. Os últimos dois Simpósios de Geologia e Geofísica Marinha, que aconteceram nos anos de 2018 e 2019, tiveram um Workshop específico em Hidrografia Portuária e Offshore. No encontro foram apresentados resultados de pesquisas com aplicações imediatas nas questões hidrográficas.
Essa sinergia entre os interesses da SBhidro e do PGGM é entendida como um fator essencial para o fortalecimento da ciência hidrográfica no país. Outro fator importante nesse desenvolvimento é a parceria entre a academia e os operadores portuários, que trazem as demandas de pesquisa para a solução dos seus “problemas”.
É com esse objetivo que a SBHidro, o CONAPRA e o PGGM têm incrementado o espaço para a discussão da ciência hidrográfica no Brasil. Nós somos um país com um litoral com mais de 8 mil km de extensão, um potencial de 40 mil km de hidrovias fluviais e um mar territorial de mais de 7 milhões de km². Alguma dúvida da importância dessa ciência para o desenvolvimento do país?