Quem viveu esses tempos, não esquece essa copa. Aliás, brasileiro algum, que viveu os anos dourados, pode esquecer o ano de 1958, pois este foi considerado o ano que nunca deveria ter acabado.
Na esfera política, o povo brasileiro amava o Presidente Juscelino Kubitschek; Brasília era um projeto cheio de esperanças. No Congresso, vigorava o plano de JK, 50 anos em cinco, e Adalgisa Colombo foi segundo lugar no Concurso de Miss Universo.
Nos esportes, o Brasil foi Campeão Mundial de Basquete, Maria Esther Bueno ganhava todas no tênis, e, na Suécia, a Seleção Brasileira de Futebol brilhou nos gramados com Bellini, Nilton Santos, Didi, Vavá, Zagalo, Dida e depois Pelé com 17 anos, além do fabuloso Mané Garrincha.
Estávamos no mês de junho, Dia de São João. O Brasil entrava em campo contra a temível Seleção Francesa. Era um jogo de semifinal. Esse, de fato, seria o jogo mais difícil daquela Copa do Mundo. No mesmo instante, um navio do Lloyd Brasileiro, chamado Santarém, entrava e atracava no porto de Recife. Naquele dia, nenhum marinheiro seguiu para a Rua da Guia. Ninguém pensou em diversões, farras e mulheres, pois todos queriam ouvir o jogo transmitido pelo rádio, cujas caixas de som ficavam afixadas nos postes, pelas ruas da cidade.
O povo se amontoava debaixo dos postes. De punhos cerrados, torcia como se estivesse presente ao estádio ou à beira do gramado. No pontapé inicial, os corações bateram mais fortes. A Seleção Brasileira precisava quebrar os paradigmas anteriores de 1954 e, principalmente, de 1950, pois até hoje o povo respira a nostalgia daquela derrota frente ao Uruguai, no Maracanã.
O jogo começou tenso, mas o Brasil foi se distanciando no placar e garantiu uma vitória histórica sobre o selecionado francês por 5 x 2. As comemorações correram as cidades brasileiras. Na grande Recife, o povo festejava e bebia nas ruas, feliz pela classificação como finalista da copa. É evidente que no dia seguinte foi uma ressaca geral! O único cozinheiro do navio não apareceu a bordo para o café da manhã, bem como para os serviços diários. O cozinheiro faltou exatamente dois dias, portanto, a tripulação ficou sem os serviços de cozinha e teve que improvisar o almoço e o jantar.
Passados os dois dias de ausência, aparece a bordo o Silvério, o tal cozinheiro, que foi chamado à presença do Comandante. Ao ser indagado por que razão faltou dois dias, respondeu:
– Faltei o primeiro dia porque estava comemorando a vitória do Brasil.
O Comandante, em seguida, perguntou:
– E por que você faltou o segundo dia?
– Faltei o segundo dia porque estava comemorando a derrota da França.
O Comando do navio, muito benevolente, perdoou sua falta e não desestimulou o tripulante de sua alegria. Contudo, alertou que as responsabilidades pessoais não deveriam ser postas de lado, a despeito de uma justa comemoração.
A rotina do navio voltou ao normal, até que na grande Recife amanheceu 29 de junho, dia de São Pedro. Chega o momento da grande final entre o Brasil, seleção visitante, e a Suécia, dona da casa. A exemplo do confronto anterior, o jogo começou tenso, mas, com o passar do tempo, a Seleção Canarinho, que, naquele dia, jogou com o uniforme azul, mostrou sua superioridade e levou a Copa com um placar elástico de 5 x 2.
O Capitão Bellini protagonizou o nobre gesto de erguer a taça Jules Rimet e, até hoje, seu gesto é repetido por todo desportista.
Nosso amigo, cozinheiro Silvério, também repetiu a dose e novamente faltou dois dias seguidos, deixando todos os tripulantes improvisando suas refeições. Finalmente, quando se apresentou a bordo, foi chamado à presença do Comandante e desculpou-se dizendo:
– Faltei o primeiro dia porque estava comemorando a vitória do Brasil.
Sem esperar a resposta que justificaria sua ausência no segundo dia, o próprio Comandante se adiantou dizendo:
– Já sei, você faltou o segundo dia porque estava comemorando a derrota da Suécia.
– Positivo, Comandante! – Respondeu Silvério.
Ato contínuo, o Comandante apontou para uma pessoa que estava à porta de sua cabine e perguntou a Silvério:
– Você sabe quem é aquele cidadão?
– Não tenho a menor ideia, Comandante.
– É o novo cozinheiro, que veio substituí-lo.
Naquele momento, Silvério ficou muito indignado com a atitude da empresa e logo questionou o Comandante
– Por que razão devo desembarcar? Por que o Lloyd está me tirando do navio, uma vez que todos vivemos um momento feliz e de grande euforia pela nossa vitória?
O Comandante ao entregar a passagem de desembarque ao Silvério, esclareceu:
– Todos queremos o seu bem e você agora seguirá de volta para o Rio de Janeiro, em tempo hábil de comemorar a chegada triunfal de nossos jogadores. Boa viagem!